Vilões da alimentação? Como saber se um alimento é ultraprocessado e por que os danos ao corpo vão além do que você imagina
Alimentos ultraprocessados estão cada vez mais presentes na mesa do brasileiro, entenda Eles ocupam cada vez mais espaço no carrinho de compras e na mesa dos ...
Alimentos ultraprocessados estão cada vez mais presentes na mesa do brasileiro, entenda Eles ocupam cada vez mais espaço no carrinho de compras e na mesa dos brasileiros. Estão nos lanches práticos, nas bebidas de caixinha, nos pães embalados, nas barras integrais e até nos produtos vendidos como “fit”, “zero” ou “ricos em proteínas”. Todo mundo já ouviu que ultraprocessados fazem mal — mas a pergunta central permanece: o que são eles e, afinal, o que os torna tão problemáticos para o corpo? De acordo com a classificação NOVA — um sistema criado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) que organiza os alimentos pelo grau de processamento — ultraprocessados pertencem ao grupo mais artificial de todos. A lógica é simples: quanto mais distante o produto está da forma original do alimento e quanto mais depende de aditivos, aromas, espessantes e substâncias modificadas em laboratório, maior o seu grau de processamento. Endocrinologista e metabologista da Clínica Sartor, Jéssica Okubo explica que entram nessa categoria ingredientes que não aparecem na cozinha de casa — emulsificantes, espessantes, aromatizantes, corantes, amidos modificados, óleos interesterificados. “A fração de comida de verdade costuma ser mínima”, afirma. Pacotes de bolacha recheada, biscoito, alimentação, ultraprocessados Yasmin Castro/g1 Como identificar um ultraprocessado na prateleira O jeito mais simples não é olhar para a frente da embalagem, mas para a lista de ingredientes. Segundo a nutricionista oncológica Mariana Ferrari, do Comitê Científico do Instituto Vencer o Câncer, quanto mais longa e “estranha” for a lista, maior a chance de ser um ultraprocessado. “Se o rótulo traz nomes que você não reconhece como alimento — xarope de glicose, gordura vegetal hidrogenada, aromatizante idêntico ao natural, estabilizantes — é praticamente certo que se trata de um ultraprocessado”, diz. Há também sinais práticos: produtos que duram semanas sem estragar, têm textura sempre igual, sabor padronizado e são muito mais doces ou mais salgados do que versões caseiras. Nutricionista e especialista em neurociência, Gustavo Corrêa resume a lógica: “Alimentos com mais de cinco ingredientes já acendem um alerta. E se boa parte deles é impronunciável, não há dúvida: é ultraprocessado.” Aditivos alimentares e ultraprocessados Freepik Por que fazem tão mal A primeira camada do problema é conhecida: muitos desses produtos concentram muito sódio, açúcar e gordura. Mas o impacto vai além disso. Eles favorecem o consumo excessivo sem que a pessoa perceba Como são macios, fáceis de mastigar e altamente palatáveis, esses alimentos reduzem a sensação de saciedade. “Comer sem atenção — no carro, no sofá, no trabalho — faz com que o corpo perca a capacidade de perceber quando já foi suficiente”, diz Okubo. Isso gera superávit calórico constante, que leva ao ganho de peso e, consequentemente, aumenta o risco de diabetes, hipertensão e dislipidemia. Eles ativam demais o sistema de recompensa do cérebro A combinação industrial de açúcar + gordura + aditivos provoca uma descarga maior de dopamina. Isso reforça a busca por mais comida, mesmo sem fome. “É como se o cérebro recebesse um estímulo exagerado de prazer e passasse a pedir repetição”, explica Corrêa. Eles bagunçam hormônios da fome e da saciedade Okubo detalha que dietas ricas em ultraprocessados aumentam a grelina, hormônio que estimula o apetite, e reduzem GLP-1 e PYY, hormônios que sinalizam saciedade. A consequência é clara: fome maior, menos saciedade e ingestão calórica elevada. Eles provocam inflamação e afetam o intestino Ferrari explica que parte dos aditivos — como emulsificantes — altera a barreira intestinal, afinando a camada de muco que protege o intestino. Isso facilita a passagem de substâncias inflamatórias para a corrente sanguínea. Com o tempo, esse processo alimenta inflamação sistêmica, desregula o metabolismo e pode contribuir para resistência à insulina. Corrêa complementa que esse efeito chega ao sistema nervoso central: “É uma inflamação de baixo grau que não fica só no intestino. Ela altera sinais que chegam ao cérebro e deixa o organismo mais sensível a estresse, irritabilidade e dificuldade de foco”. Eles podem liberar compostos nocivos Segundo Ferrari, há estudos que mostraram aumento de substâncias como acrilamida — um composto que pode se formar em processos industriais de aquecimento e está associado a risco carcinogênico — e bisfenol, um químico usado em plásticos e revestimentos que pode interferir em hormônios, nos consumidores frequentes de ultraprocessados. A ciência ainda investiga o impacto de cada aditivo individualmente, mas o consenso entre entidades de saúde é claro: o risco vem do conjunto da obra, e não de um ingrediente isolado. E esse efeito combinado tende a ser ainda mais intenso em organismos que estão em formação — especialmente crianças e adolescentes. Pior para crianças e adolescentes A fase de crescimento é especialmente sensível. O cérebro ainda está maturando áreas responsáveis por atenção, comportamento e tomada de decisão — e a microbiota intestinal também está em formação. “É um organismo que precisa de nutrientes reais para construir circuitos cerebrais. Quando a base da alimentação é ultraprocessada, essa construção fica mais vulnerável”, explica Corrêa. Isso se traduz em efeitos concretos: maior irritabilidade, pior sono, dificuldade de manter foco e risco aumentado para problemas metabólicos no futuro. Os ‘inocentes’ que também são ultraprocessados Barras de cereal são consideradas ultraprocessados 'saudáveis', mas podem dificultar o processo de emagrecimento. Freepik Muitas vezes, o consumidor associa ultraprocessado a refrigerante, salgadinho e biscoito recheado. Mas há produtos que passam despercebidos: iogurtes “fit” ou com polpa de fruta, mas cheios de aromatizantes e espessantes; barrinhas de cereal feitas com xaropes e óleos refinados; pães de forma “integrais”, com emulsificantes e conservantes; requeijões e queijos processados; leites vegetais industrializados com estabilizantes; snacks “saudáveis”, cookies proteicos e chips de legumes embalados. Ferrari reforça: “O apelo saudável não garante que o produto é adequado. A leitura do rótulo é indispensável." Existe quantidade segura? As entidades internacionais não definem um limite considerado “seguro”. A recomendação geral é: reduzir ao máximo, mas sem buscar perfeição impossível. Uma alimentação majoritariamente baseada em alimentos in natura protege o corpo para lidar com eventuais exceções. “Se a base da alimentação é de verdade, o organismo tolera o consumo esporádico de ultraprocessados. O problema é quando eles são a rotina, não a exceção”, diz Corrêa. Alimentação equilibrada: nas vésperas do Enem, prefira refeições leves e de fácil digestão, como arroz, verduras e legumes cozidos e uma carne magra. Freepik Como reduzir na prática — sem viver preso à cozinha Os especialistas convergem em um ponto central: mudar tudo de uma vez é inviável. O realista é começar por pequenas trocas. trocar o “pronto” por “quase pronto”: frutas, castanhas, iogurte natural, ovos, bolos simples; preparar alimentos em pequenos lotes (frango desfiado, legumes picados, arroz porcionado); priorizar temperos frescos e preparos caseiros; manter opções rápidas e naturais acessíveis; criar o hábito de ler rótulos. “Planejamento é a peça-chave”, diz Corrêa. “Quando a casa está organizada para escolhas melhores, comer bem deixa de ser um esforço e vira consequência.”