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Genéricos do Ozempic vão atrasar? STJ adia julgamento do pedido que pode mudar mercado no país

Patente da semaglutida: STJ decide se exclusividade do Ozempic termina em 2026 ou 2044 O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deveria analisar nesta terça-feira...

Genéricos do Ozempic vão atrasar? STJ adia julgamento do pedido que pode mudar mercado no país
Genéricos do Ozempic vão atrasar? STJ adia julgamento do pedido que pode mudar mercado no país (Foto: Reprodução)

Patente da semaglutida: STJ decide se exclusividade do Ozempic termina em 2026 ou 2044 O Superior Tribunal de Justiça (STJ) deveria analisar nesta terça-feira (9) um pedido da Novo Nordisk para estender a patente da semaglutida, substância usada em medicamentos como Ozempic e Rybelsus. Entretanto, o julgamento foi adiado e uma previsão não foi divulgada pela Justiça. A Novo Nordisk afirma que a nova data será 16 de dezembro. A decisão sobre o tema é considerada decisiva porque vai determinar quando será a entrada de genéricos do medicamento no país: a patente atual expira em março de 2026 e versões concorrentes já estão sob análise na Anvisa. Em nota ao g1, o Ministério da Saúde afirma que pediu ao órgão que "priorize o registro de medicamentos compostos pelos princípios ativos semaglutida e liraglutida". Pela regra brasileira, as empresas têm direito há 20 anos de exclusividade com suas tecnologias a partir do pedido de patente. A empresa alega que houve atraso na avaliação no Brasil e pede que a Justiça “devolva” esse período. Se o pedido for aceito, a exclusividade do Ozempic, por exemplo, que terminaria em 2026, poderia ser estendida até 2044. Essa não é a primeira disputa da Novo Nordisk: no caso da liraglutida, outra substância usada no tratamento da diabetes e obesidade, a farmacêutica também recorreu à Justiça, mas a EMS — que já tinha sua versão pronta — conseguiu reverter a decisão. A caneta nacional chegou ao mercado em agosto. Segundo especialistas, a decisão do STJ pode influenciar diretamente o acesso ao tratamento no país: Apesar de ser uma doença multifatorial e não defenderem a caneta como única opção, especialistas apontam que esses medicamentos podem ser ativos importantes no tratamento na rede pública, que não tem, hoje, nenhum medicamento disponível. A única opção é a bariátrica, mas que também não chega a todo mundo – apenas 10% de todas as cirurgias são feitas pelo SUS. Controle sobre venda de Ozempic e similares no Brasil Adobe Stock A queda das patentes abriria espaço para genéricos com preços mais acessíveis, o que pode permitir a inclusão na rede pública. Em agosto, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) chegou a debater a inclusão das canetas, mas deu parecer contrário por causa do alto custo. Segundo o Ministério da Saúde, no cenário de hoje, seriam gastos R$ 8 bilhões por ano para atender os pacientes. "Esse valor representa quase o dobro do orçamento do Farmácia Popular em 2025. Com a entrada de novos medicamentos genéricos no mercado e aumento da concorrência, os preços devem cair de forma significativa - em média, estudos apontam que os genéricos induzem queda de 30% nos preços. Esse é um fator determinante para a análise de sua possível incorporação ao SUS", afirma o Ministério da Saúde. A médica endocrinologista Maria Edna, que também é coordenadora de advocacy na Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica, comenta que, quem tem obesidade, trata só a comorbidade que a doença causa, como diabetes, hipertensão, gordura no fígado. "Não há nada que ajude a tratar a raiz do problema, que é o excesso de peso. Para a saúde pública, quanto maior a concorrência menor o custo”, explica Maria Edna. Por outro lado, representantes da indústria afirmam que restringir as possibilidades de extensão reduz o tempo efetivo de proteção — que pode cair para poucos anos devido à demora do INPI — e desestimula investimentos e inovação no país. Neste texto, você vai ler: O que está sendo discutido no STJ? Como isso pode afetar quem trata obesidade? Por que a indústria defende a expansão de patentes? O que está sendo discutido no STJ? ☑️ Primeiro, para você entender: a semaglutida é um análogo (substância muito parecida) ao hormônio GLP-1. Nosso corpo produz esse hormônio e ele é secretado principalmente pelas células do intestino. Ele vai até o cérebro, no hipotálamo, e estimula algumas células, diminuindo o apetite. Com isso, vem sendo usada no tratamento da diabetes tipo 2 e da obesidade. O medicamento vem revolucionando – segundo especialistas – o tratamento para as doenças. Recentemente, foi incluído pela Organização Mundial da Saúde (OMS) na lista de medicamentos essenciais para para casos diabetes tipo 2 com comorbidades associadas. A substância está aprovada no Brasil pela Anvisa desde 2018, com a chegada do Ozempic, produzido pela Novo Nordisk. Depois, a empresa anunciou a chegada do Rybelsus, uma versão da semaglutida não em caneta, mas em comprimido. 🔴 Muito antes de ser aprovado pela Anvisa, a Novo Nordisk havia acionado o INPI, que é responsável pelas patentes no país, para registrar o medicamento e a tecnologia. Patentes são mecanismos legais que garantem exclusividade de exploração de um produto ou tecnologia por um período determinado — no caso brasileiro, 20 anos. Esse também é um prazo padrão na Europa, por exemplo. A lógica é permitir que empresas recuperem investimentos em pesquisa e desenvolvimento. No Brasil, havia um adicional na lei que permitia que a patente fosse extendida se a empresa pedisse, mas isso foi mudado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na pandemia com as discussões sobre a vacina contra a Covid-19. Com a mudança, empresas deixaram de ter esse “tempo extra” e passaram a acionar a Justiça para tentar recompor o prazo. O que a Novo Nordisk alega é que o instituto demorou para dar o registro e isso fez com que ela fosse prejudicada no tempo de exploração da tecnologia que desenvolveu. No caso do Ozempic, ela alega que o atraso chegou a 12 anos. “A decisão do STF colocou o Brasil no mesmo patamar regulatório que a Europa. Então, não é nenhum absurdo que seja assim. São 20 anos a partir da publicação preliminar porque isso dá à empresa o direito de processar alguém que copiar a ideia. Então, em tese a empresa poderia começar a explorar e teve o tempo que é de direito mantido”, explica o doutor em direito e especialista em bioética, Henderson Furst. O recurso vai ser analisado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesta terça-feira (9). E vem sendo acompanhada por outras farmacêuticas porque a decisão pode mudar não só o rumo do acesso à semaglutida no país, mas a discussão sobre patentes de medicamentos no Brasil, com reflexo à empresas que já vem investindo em suas plantas, por exemplo, para a produção de medicamentos. Uma pesquisa de 2021 mostrou que a extensão de patentes de medicamentos pode representar um custo de até R$ 1,1 bilhão ao SUS. Isso acontece por dois fatores: Com menos concorrência, os medicamentos patenteados ficam mais caros. Alguns desses remédios, acabam sendo comprados pelo SUS. Processo seletivo da Agência Brasileira de Apoio à Gestão do SUS (AgSUS) está com inscrições aberta Arquivo/Agência Brasil E porque mesmo aqueles que por alto custo acabam não sendo incorporados, como o caso da semaglutida, terminam sendo comprados por determinação judicial por pedidos de pacientes. O levantamento analisou 445 ações judiciais envolvendo pedidos de Ozempic e semaglutida registradas entre 2023 e maio de 2025. A maioria das ações foi contra o SUS e em mais da metade o sistema público teve de pagar. Como isso pode afetar quem trata obesidade? A decisão do STJ ocorre em um momento em que o Brasil enfrenta o crescimento da obesidade. Hoje, 7 em cada 10 adultos estão acima do peso, e 31% já são obesos. A doença cresce mais rapidamente entre as populações que dependem do SUS, o que aprofunda desigualdades. Para especialistas, o país já vive um cenário crítico que exige políticas preventivas e ampliação do acesso a tratamentos eficazes. Apesar da dimensão do problema, o tratamento disponível na rede pública é limitado. O SUS não oferece nenhum medicamento específico para obesidade. O cuidado se concentra nas consequências — diabetes, hipertensão e doenças cardiovasculares — e não na doença em si. A única alternativa terapêutica disponível é a cirurgia bariátrica, mas o acesso é restrito: apenas 10% de todos os procedimentos feitos no país, são feitos no sistema de saúde público. É nesse contexto que a chegada de versões genéricas das canetas de semaglutida e liraglutida é vista como estratégica pelos especialistas. Apesar de reforçarem que não pode ser vista como única medida, já que a obesidade é uma doença multifatorial e que exige tratamento multidisciplinar e melhoria no acesso à alimentação de qualidade para a população. O g1 conversou com pesquisadores e especialistas de mercado que explicam que com a queda de patente, os preços das canetas devem cair. Assim como aconteceu com a liraglutida, que a EMS passou a produzir a versão brasileira por R$ 300 cada caneta. Os especialistas dizem que isso não devem acontecer tão rapidamente por causa dos processos regulatórios. Após a queda da patente, ainda que já haja a substância aprovada por outra marca, toda farmacêutica que for produzir, precisa submeter à Anvisa. ➡️ E já há um movimento: em agosto, a Fiocruz, que é ligada ao Ministério da Saúde, anunciou uma parceria com a farmacêutica EMS para a produção de canetas de liraglutida (que a empresa já tem uma versão no mercado) e de semaglutida, na expectativa da queda da patente. "A Fiocruz firmou uma parceria com a empresa EMS, para incorporar uma plataforma e produção de medicamentos a partir de peptídeos – uma nova fronteira do setor que pode servir de base para produção de tratamentos oncológicos e vacinas mais modernas – que não se resume, portanto, a canetas emagrecedoras", afirma o ministério. A pesquisadora Lia Hasenclever, que estuda o impacto de patentes no sistema público de saúde, afirma que, normalmente, quando o medicamento perde a patente, a queda de preço depende da concorrência. "Com o fato de a EMS ter pedido a licença, já temos sinais de que esse valor começa a cair e essa queda pode ser drástica”, aponta Lia. Hoje, uma caneta custa cerca de R$ 1 mil, o que torna o tratamento inviável para a maioria da população, até mesmo para o SUS. 🔴 Em agosto, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) chegou a debater a inclusão das canetas, mas deu parecer contrário por causa do alto custo. Segundo o Ministério da Saúde, no cenário de hoje, seriam gastos R$ 8 bilhões por ano para atender os pacientes. Enquanto isso, na contramão de quem espera pelo remédio na rede pública, há uma exploração estética do medicamento, que revela uma desigualdade no acesso à saúde no país. “Estamos vendo pessoas fazendo o uso estético desses medicamentos. Enquanto isso, pacientes que precisam não têm acesso. Isso cria uma desigualdade no tratamento, só quem tem dinheiro tem direito de tratar a obesidade? Não pode ser assim”, explica Eduardo Nilson, pesquisador sobre obesidade da Fiocruz. A médica endocrinologista Maria Edna de Melo, coordenadora de advocacy na Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), explica que a realidade no SUS de quem tem obesidade é de não ter acesso a um tratamento efetivo. “Existe um ciclo vicioso em que só se controla as doenças causadas pela obesidade, não ela em si. E aí a vida do paciente é tomar dois ou três medicamentos para a hipertensão, um medicamento para o colesterol, medicamentos para as dores. Uma vez que essas medicações ficam disponíveis no SUS, a gente vai conseguir tratar melhor dos pacientes. Seria uma revolução para o sistema”, explica. A médica reforça que espera que se houver uma incorporação, isso deve acompanhar o rigor de outras medicações para a prescrição, que seja analisado caso a caso a necessidade e que o paciente tenha suporte de nutricionista e outras especialidades para tratar de forma ampla a doença. “Isso pode abrir portas para um tratamento mais estruturado no sistema público e revolucionar a longo prazo a saúde. Hoje, as doenças que mais custam ao país são consequências da obesidade. Reduzir esses índices é custar menos ao sistema”, explica Melo. Por que a indústria defende a expansão de patentes? Representantes da indústria farmacêutica afirmam que a extensão das patentes é necessária para compensar a demora do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) na análise dos pedidos. Embora a proteção formal seja de 20 anos, o setor alega que, na prática, o tempo de exploração exclusiva pode ser bem menor. Outro argumento é que casos como o da semaglutida não seriam exceção. Desde a mudança na lei, várias empresas têm buscado na Justiça a recomposição do tempo que consideram perdido, em vez de uma extensão "extra". Para o setor, negar esse mecanismo criaria um desequilíbrio. Apesar de especialistas apontarem que a legislação brasileira se assemelha com a Europa, por exemplo, a Interfarma afirma que o movimento recente do Brasil pode impactar na decisão das empresas sobre o investimento em tecnologia no país. “O que as empresas estão pedindo é uma resposta a uma lacuna que ficou. Isso é importante para como elas vão olhar para o Brasil. Precisa ser como um país que dá a proteção legal para a inovação”, explica Renato Porto, presidente-executivo da Interfarma. O g1 procurou a Novo Nordisk, mas não recebeu o retorno até a publicação. Em sua página, a empresa publicou uma nota quando venceu um dos pedidos na Justiça sobre patentes, mas que depois foi revogado, disse: “O que buscamos é segurança jurídica para continuar investindo e trazendo ao Brasil os tratamentos mais modernos à população como um todo. Um ambiente de previsibilidade é fundamental não apenas para a indústria farmacêutica, mas para todo o ecossistema de inovação do país. Sem a garantia de que o direito à patente será respeitado e o exame ocorrerá em um prazo razoável, o Brasil corre o risco de ficar para trás no acesso a novas tecnologias em saúde”.