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Domínio do tráfico, tiroteios constantes e ausência de serviços: como está o Complexo do Alemão 15 anos após a instalação da UPP

Como está o Complexo do Alemão 15 anos após a instalação da UPP Há exatamente 15 anos, forças de segurança do estado e da União ocuparam o Complexo do ...

Domínio do tráfico, tiroteios constantes e ausência de serviços: como está o Complexo do Alemão 15 anos após a instalação da UPP
Domínio do tráfico, tiroteios constantes e ausência de serviços: como está o Complexo do Alemão 15 anos após a instalação da UPP (Foto: Reprodução)

Como está o Complexo do Alemão 15 anos após a instalação da UPP Há exatamente 15 anos, forças de segurança do estado e da União ocuparam o Complexo do Alemão. O dia 28 de novembro de 2010 marcou o início do chamado processo de pacificação, que prometia levar mais segurança às comunidades com a implantação das Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). A chegada dos tanques do Exército e do policiamento de proximidade trouxe oportunidades, mudanças e a esperança de uma nova realidade. Mas, com o passar do tempo, a rotina de violência voltou a marcar o cotidiano do complexo. “Quinze anos se passaram e nada foi feito aqui”, resume Rosemere Alves, empreendedora e moradora do Alemão há 57 anos. Glória Alves Bezerra conta que serviços básicos desapareceram. “Tiraram os garis comunitários. A gente passa por cima de lixo o tempo todo. É rato, mosquito, barata... Cada bicho horrível entrando dentro da tua casa”, relata. 📱Baixe o app do g1 para ver notícias do RJ em tempo real e de graça A sensação de promessas não cumpridas também é lembrada por Leia Rodrigues, empreendedora da região. “Prometeram educação, curso técnico, teleférico... e olha como está o estado do nosso morro”, diz. Moradores reclamam da falta de serviços essenciais no Alemão Reprodução/TV Globo Desde as primeiras construções, nos anos 1930, passando pela dominação do tráfico nos anos 1980 até a situação atual, já se passou quase um século. Mariluce Mariá é neta de Dina, indígena tupinambá e uma das primeiras moradoras do local, que chegou à região ainda na infância. "Quando veio a UPP, a fachada que chegou como publicidade pra gente. Aquela UPP bonita do Santa Marta. Só que eles não tinham o planejamento pra manter um padrão", fala. "Passando todo esse tempo, a gente não viu uma mudança real, porque tudo que eles colocaram, tudo foi embora. Não ficou ninguém. Até mesmo as empresas que vieram, fizeram parcerias, patrocínios de locais ou de instituições", acrescenta. A neta herdou a força e a resiliência da avó e usa a arte para apoiar crianças que não têm acesso a serviços essenciais. "Eu faço um trabalho de arte, que eu ensino eles pintarem a favela colorida, porque a gente pinta sentimentos, junto com os pontos turísticos do Rio de Janeiro. Eu trabalho com criança, eu trabalho com o futuro", explica. O sucesso da retomada do território, 15 anos atrás, entrou para a história. Dois anos depois, operações e tiroteios voltaram a ser rotina, revelando o lado mais devastador do conflito na região. Nos últimos anos, crianças como Eduardo, Paulo Henrique, Benjamin, João Victhor e Ágatha foram mortas por tiros no Alemão. Há um mês, uma megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha deixou 117 suspeitos e quatro policiais mortos. Na semana passada, outro agente ferido em confrontos morreu. Vítimas da violência no Alemão Reprodução/TV Globo Obras do PAC O Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio Reprodução/TV Globo A Serra da Misericórdia — onde ocorreram intensos tiroteios no dia 28 de outubro — deveria ter se transformado em um grande parque, com áreas de lazer e esportes. Em 2012, a Prefeitura do Rio e a Caixa Econômica Federal (CEF) assinaram um termo de compromisso. Mas o projeto de R$ 14 milhões nunca saiu do papel. O Alemão recebeu mais de R$ 800 milhões em obras do PAC, incluindo a previsão de construção de 1.716 unidades habitacionais. Apenas 920 foram entregues. O PAC 2, de 2010, que prometia ampliar investimentos em saneamento, habitação e contenção de encostas, também não avançou. Um novo PAC, lançado há 1 ano, prevê R$ 200 milhões até o início de 2026, com promessas renovadas de obras de saneamento, contenção e lazer. A prefeitura conseguiu um empréstimo na Caixa para complementar as intervenções. Teleférico parado há 9 anos Teleférico do Alemão está parado há 9 anos Reprodução/TV Globo Símbolo da modernização do complexo, o teleférico — que custou R$ 210 milhões — está parado há nove anos. A reabertura já foi adiada pelo menos 13 vezes. "Descia em 15 minutos, pegava o trem, em 25 minutos tava na Central do Brasil. A pessoa, além de ter um equilíbrio econômico melhor, porque economizava na passagem, ela ganhava tempo", lembra Mariluce. "Então, chegava menos cansado em casa, tinha mais tempo pra poder entender as coisas que tavam acontecendo, pra pesquisar, pra estudar, pra viver, pra se cuidar, pra ir no médico, era mais fácil." Houve até escândalo de corrupção. A Controladoria-Geral da União apontou superfaturamento de R$ 139 milhões, cerca de 25% do valor liberado. As estações, antes ocupadas por serviços como Detran, INSS, agências bancárias, Correios, salas de leitura e bibliotecas, hoje estão vazias. "Vieram vários órgãos pra ali, como CRAs Ramos, Correios, INSS, e a UPP contratou pessoas, até os próprios policiais davam aula de reforço escolar. Tinham passeios. Era muito bom no início. E a gente achou que aquilo ia fluir, mas de repente começou a virar bagunça, tiroteio", conta Glória. Maíse Freitas, que distribui alimentos para famílias em situação de vulnerabilidade, afirmou que antes conseguia chegar a pontos mais altos do morro usando o teleférico para fazer as entregas, mas que agora o acesso ficou mais difícil. "Eu tô peneirando, eu pego aquela família que tem mais vulnerabilidade." Mais recentemente, o governo anunciou a criação de um campus do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) no Alemão, com capacidade para 1.400 estudantes. A inauguração estava prevista para o fim deste ano — mas não há prédio, nem salas de aula. Mortos em megaoperação no Alemão e na Penha, no dia 28 de outubro Reprodução/TV Globo O que dizem os citados A Prefeitura do Rio disse que desenvolveu uma série de ações no Complexo do Alemão e no entorno nos últimos 15 anos, abrangendo áreas essenciais como educação, saúde, cultura, assistência social, meio ambiente, serviços urbanos e infraestrutura. Disse ainda que no ano que vem inicia as obras do "PAC Periferia Viva". Segundo a prefeitura, ruas da comunidade vão receber pavimentação, escadarias novas e acessos mais seguros. Também há previsão de construir 192 unidades habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida. A Caixa Econômica Federal disse que a prefeitura rescindiu, em 2014, o acordo que entregaria recursos para o parque da Serra da Misericórdia. A prefeitura não respondeu sobre esse assunto. O governo do estado disse que está investindo mais de R$ 240 milhões na recuperação e modernização do teleférico do Alemão e que a previsão é que o equipamento volte a funcionar no fim do ano que vem. Disse também que entregou 175 novas moradias em junho e tem previsão de mais 760 para o ano que vem. O governo federal não comentou o superfaturamento no primeiro PAC do Alemão, nem o fracasso do segundo PAC. Disse que os recursos foram usados para construir equipamentos públicos e infraestrutura. Sobre a construção do campus do IFRJ, a União disse que a demolição do imóvel que existia no espaço já foi concluída e que aguarda a aprovação dos órgãos municipais para abrir licitação e definir a empresa que vai construir o novo campus. Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio Reprodução/TV Globo